Specula Revista de Humanidades y Espiritualidad

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A LEGENDA BEATE BARBARE VIRGINIS ET MARTIRIS DO LEGENDÁRIO ABREVIADO DE JUAN GIL DE ZAMORA (XIII-XIV)

THE LEGENDA BEATE BARBARE VIRGINIS ET MARTIRIS FROM THE ABBREVIATED LEGENDARY OF JUAN GIL DE ZAMORA (XIII-XIV)

Andréia Cristina Lopes Frazão da Silvaa*

Fechas de recepción y aceptación: 31 de enero de 2022 y 1 de marzo de 2022

DOI: https://doi.org/10.46583/specula_2022.3.1023

Resumo: Durante o medievo floresceu o culto a Santa Bárbara. A partir do século xiii o seu culto difundiu-se na Península Ibérica e os primeiros textos sobre a santa começaram a circular na região. Dentre os primeiros, encontra-se o capítulo dedicado à mártir que compõe o legendário abreviado organizado pelo franciscano Juan Gil de Zamora em fins do século xiii. O artigo apresenta as conclusões da análise, em perspectiva historiográfica, desta narrativa, discutindo as motivações contextuais para sua inclusão no legendário egidiano. É proposto que a composição da Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris por Juan Gil se associou às tradições que recepcionou, sua atuação como franciscano, sua formação escolar, os propósitos da redação do legendário abreviado, seus relacionamentos e compromissos pessoais e institucionais e por eventos do contexto em que viveu.

Palavras-chave: Santa Bárbara, Juan Gil de Zamora (1251?-1318?), legendário abreviado, Ordem dos Frades Menores, pregação.

Abstract: During the Middle Ages, the cult of Santa Barbara flourished. From the 13th century onwards, her cult spreads in the Iberian Peninsula and the first texts about the saint began to circulate in the region. Among the firsts is the chapter dedicated to the martyr that composes the legendary abbreviation edited by the Franciscan Juan Gil de Zamora at the end of the 13th century. The article presents the conclusions of the analysis, in a historiographical perspective, of this narrative, discussing the contextual motivations for its inclusion in the Aegidian´s legendary. It is proposed that the composition of the Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris by Juan Gil was associated by the traditions he received, his performance as a Franciscan, his schooling, the purposes of writing the abbreviated legendary, his personal and institutional relationships and commitments, and by events in the context in which he lived.

Keywords: Santa Bárbara, Juan Gil de Zamora (1251?-1318?), abbreviated legendary, Order of Friars Minor, preaching.

1. INTRODUÇÃO

Santa Bárbara, segundo a tradição, foi uma jovem denunciada às autoridades romanas como cristã por seu próprio pai. Após ser levada a juízo e resistir a torturas, foi martirizada por não renunciar a sua fé. Não é possível afirmar que a mártir foi uma personagem histórica. Ela não é mencionada nos textos patrísticos1 e seu nome não figura na redação inicial do Martirológio de Jerônimo2. As dúvidas sobre a historicidade da santa levaram a Igreja Católica Romana a suprimir a sua festa do calendário litúrgico lançado após o Concílio Vaticano II (1969, pp. 68, 69, 147). Santa Bárbara continua a figurar no martirológio romano, porém, houve um ajuste em sua descrição, a fim de sublinhar o caráter tradicional de sua veneração3.

O culto a Bárbara, santa que continua a ser venerada por milhões de fiéis4, segundo os especialistas, surgiu no Oriente, no iv ou v séculos,5 e estabeleceuse no Ocidente, como sugerem os testemunhos, a partir do século vii-viii6. A devoção à virgem mártir foi expandindo-se nos séculos seguintes,7 mas foi incrementada no final do medievo, quando passou a ser invocada como proteção à morte súbita, aos raios e ao fogo8 e foi incluída no grupo dos chamados 14 santos auxiliares9.

Com a expansão do culto, foram produzidos textos, que começaram a ser redigidos, provavelmente, por volta do século VII no Egito. Neste sentido, foram compostas diversas versões da Passio10, elogios, hinos, relatos sobre a descoberta e trasladação de suas relíquias, narrativas de milagres e até uma genealogia. Essas obras foram escritas em siríaco e armênio (BHO 132-134), grego (BHG 213-218), latim (BHL 913-971 e BHL Suppl. pp. 40-41) e nas línguas vernáculas11. Tais materiais, ainda que possuam correlações entre si12, divergem em vários detalhes13.

O objetivo desse artigo é apresentar e analisar, em perspectiva historiográfica, o capítulo dedicado a Santa Bárbara no legendário abreviado de Juan Gil de Zamora, um dos primeiros textos sobre a santa organizados no Reino castelhano-leonês. O propósito principal é discutir as motivações para inclusão dessa legenda no legendário egidiano14.

Na análise do capítulo egidiano sobre Santa Bárbara buscou-se compreender esse texto, escrito em fins do século XIII, integrando-o, como sublinham Serna e Pons, “en el marco de referencias y de evidencias al que pertenecen” (2013, p. 13). Desta forma, no decorrer do artigo, a partir da legenda, dialogando com outros testemunhos medievais e a bibliografia, foram traçadas conexões entre as tradições sobre a mártir, a trajetória de Juan Gil, a conjuntura em que ele viveu e redigiu seus livros e a narrativa que ele compilou.

O artigo está dividido em três partes, além dessa introdução e das considerações finais. Na primeira, é abordado o culto a Bárbara na Península Ibérica. Na segunda, Juan Gil e seu legendário são apresentados. Na terceira, o foco está na estrutura e no conteúdo da Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris, discutindo as motivações contextuais para a inclusão do capítulo no legendário.

2. O CULTO E A CIRCULAÇÃO DE TEXTOS SOBRE SANTA BÁRBARA NA PENÍNSULA IBÉRICA

O culto a Bárbara foi introduzido na Península Ibérica, segundo Echeverría (2006, p. 120), entre o final do século XII e início do XIII, por meio das rotas de peregrinação a Santiago de Compostela. O autor não desenvolve seus argumentos15, mas a hipótese é plausível, já que milhares de pessoas, provenientes das diversas regiões e de variadas origens sociais, dirigiam-se para esse centro de peregrinação todos os anos. Alguns autores defendem, por exemplo, que foi por meio dos caminhos para a Catedral de Santiago que os franciscanos se estabeleceram na Península16 e que tais vias foram locais de circulação de grupos considerados heréticos pela Igreja Papal17. É importante sublinhar que muitos romeiros acabaram por se fixar na região, desenvolvendo diferentes atividades, o que certamente resultou em trocas culturais, inclusive no campo das devoções18.

Outros testemunhos permitem traçar hipóteses alternativas e/ou complementares. Laguna Paúl, em seu estudo sobre a cristianização da mesquita de Sevilha, afirma que as modificações no edifício, incluindo a organização de capelas e altares, foram realizadas a partir de 1252 (1998, pp. 46, 52), quando Afonso X chegou ao trono. A autora propõe que na segunda metade do século XIII foi situado no setor sudoeste deste templo, convertido em cristão, o altar de Santa Bárbara (p. 57). Ela também menciona a colocação de uma “‘tabla’ pintada con Nuestra Señora, San Juan Evangelista y Santa Bárbara”, formando “un pequeño tríptico como los que pueden verse en algunas miniaturas de los siglos XIII y XIV” (p. 56).

Ainda que não seja consenso entre os pesquisadores que ao conquistar Alicante em 1248 o então infante Afonso já tenha rebatizado o castelo local dando-lhe o nome de Santa Bárbara diversos historiadores19 indicam que no repartimiento de Ecija, ocorrido em 1263, uma das quatro partes da localidade recebeu o nome de Santa Bárbara20. Esses dados permitem considerar que a devoção a Bárbara –ou ao menos o conhecimento sobre a sua paixão– já estava presente na corte real castelhano-leonesa desde meados do século XIII.

Riera (2014), ao escrever sobre a Igreja medieval de Santa Bárbara de Pruneres, localidade de Girona, ressalta que não há registros de santuários anteriores ao século XIV dedicados à santa na região de Aragão. Ele aponta que uma das primeiras capelas consagrada à mártir documentada foi construída na igreja de Sant Joan de l’Hospital, em Valência, obedecendo ao testamento de Constança da Sicília, Imperatriz de Niceia, que se estabeleceu na região em 1274 e faleceu em 1307 (2014, p. 107)21. O pesquisador acrescenta que somente a partir do século XIV surgem evidências da edificação de igrejas, capelas ou altares em honra a_Bárbara em Barcelona, Mallorca e Girona (pp. 107-108).

Essas construções demonstram que o interesse por Santa Bárbara floresceu no Reino de Aragão no século XIV. Madurell, que organizou e publicou em 1958 um conjunto de documentos dos séculos XIV e XV, atesta essa atração dos monarcas aragoneses por Bárbara, já que organizaram expedições para encontrar e transportar para a Hispânia o corpo da santa.

Baydal (2010), que analisa as ações da monarquia para obter relíquias de Santa Bárbara, Santa Tecla e São Jorge nos séculos XIV e XV, aventa a possibilidade de que o culto à mártir foi introduzido em Aragão por meio da realeza castelhano-leonesa, em particular pelo casal Afonso X e sua esposa Violante, que era filha do rei aragonês Jaime I.

Assim, a veneração a Santa Bárbara, mais do que uma expansão popular, seguindo os caminhos de peregrinação para Compostela, da qual não há indícios anteriores ao século XIV (Riera, 2014, p. 107), pode ter sido fomentada, ao menos a partir de meados do século XIII, pela corte real castelhano-leonesa.

A introdução tardia do culto à jovem mártir na Península Ibérica relaciona-se à quase total ausência de registros textuais sobre Bárbara até o século XIII. O capítulo de Juan Gil de Zamora, Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris, é um dos poucos compostos sobre a mártir.

3. JUAN GIL DE ZAMORA E AS LEGENDE SANCTORUM ET FESTIUITATUM ALIARUM DE QUIBUS ECCLESIA SOLLEMPNIZAT

3.1 Uma biografia de Juan Gil de Zamora (1251? – 1318?)

Os estudos sobre a biografia de Juan Gil de Zamora, Iohannes Egidii ou Egidius Zamorensis na forma latina, receberam grande impulso nas últimas duas décadas vinculados ao lançamento de edições críticas de alguns de seus escritos e novas pesquisas22. Tais publicações sistematizaram dados e propuseram outras interpretações. Contudo, ainda há muitas lacunas e dúvidas sobre a sua trajetória23.

Para a elaboração de uma biografia de Juan Gil, há um pequeno número de fontes diretas: um texto notarial, datado de 1278, e suas próprias obras. Os especialistas também consideram notícias tardias, como anotações em manuscritos e referências em textos de autores posteriores.

Sobre a data de seu nascimento, há duas principais hipóteses: que ocorreu por volta de 1240 ou cerca de 1251. Essa última datação foi proposta pelos estudos mais recentes e é o referencial adotado. Quanto ao local de nascimento, como na De preconiis civitatis Numantine, Juan Gil informa que era natural de Zamora, é consenso entre os especialistas que ele nasceu nessa cidade. Sobre a sua família, Jacopo de Castro, em texto do século XVIII, afirmou que era nobre, membro da casa dos senhores Gil Manriquez de Villalobos.

Os estudiosos também concordam sobre o momento de ingresso na Ordem dos Frades Menores, que teria ocorrido por volta de 1269-1271. Segundo a historiografia, nessa conjuntura a Ordem Franciscana havia alcançado grande expansão, o que redundou, dentre outras mudanças, em maior institucionalização; crescimento no número de irmãos ordenados sacerdotes; presença de frades nas universidades, na cúria papal, nas sedes episcopais e em cortes reais; atividades missionárias em terras não cristãs; privilégios e doações; fundação de conventos; disputas com os clérigos seculares e religiosos e divergências internas, sobretudo, em relação à prática da pobreza24.

No bojo de tais transformações, a formação escolar dos frades foi valorizada. Neste sentido, no capítulo geral de 1260, realizado em Narbona, um conjunto de normas sobre o tema foi aprovado (Bihl, 1941). Foi instituído que deveriam ser recebidos como noviços clérigos letrados ou que trouxessem contribuições para o povo e para o clero. Rapazes poderiam também ser aceitos, desde que possuíssem estrutura física robusta, inteligência e edificação espiritual.

Considerando 1251 como ano de nascimento de Juan Gil, ele teria ingressado na Ordem com cerca de 20 anos. Nesse momento, provavelmente, sobretudo se for aceita a notícia de sua origem nobre, ele já havia obtido uma educação inicial em alguma escola paroquial ou até em Salamanca, pois há evidências de que estudou nessa cidade (Ferrero, 2009, p. 25). É possível propor, inclusive, que ele já tivesse recebido ordens clericais menores25. Assim, mesmo jovem, seu perfil se adequava ao prescrito pelas Constituições de Narbona.

Não há notícias sobre onde Juan Gil realizou seu noviciado, mas é provável que tenha permanecido em uma das comunidades que formavam a custódia zamorana. Nos anos 1260 já existiam conventos nas cidades de Zamora, Toro, Benavente, Villalpando e Mayorga, que estavam vinculados à Província de Santiago.

Poucos anos após ingressar na Ordem dos Frades Menores, como também estabelecido pelas normas instituídas no Capítulo de Narbona (Bihl, 1941), Juan Gil foi enviado para estudar no studium franciscano de Paris, onde permaneceu, provavelmente, entre 1273 e 1278.

Segundo as fontes diretas e tardias já mencionadas, Juan Gil teria ocupado, no decorrer de sua vida, diversos cargos junto à Ordem. Foi lector, ou seja, responsável pelo estudo dos frades. Aliás, é assim que ele se apresenta em algumas de suas obras, como no prólogo do Liber contra uenena et animalia uenenosa: “Lector fratrum minorum apud Zamoram” (Ferrero, 2009, p. 25). No Ms. 2703 da Biblioteca Nacional de Madrid está registrado que ele também foi custódio (Castro, 1955) e Jacopo de Castro, escrevendo séculos depois, informa de que ele foi vicário e ministro provincial.

Baseados nas dedicatórias e outras passagens dos escritos egidianos, estudiosos defendem que Juan Gil lecionou na escola franciscana de Toulouse26; permaneceu um período em Tours27; estabeleceu contatos com Felipe de Perugia28, Martín Fernández29, Raimundo de Gaufredi30, João Minio de Morrovale31 (Castro, 1955; Ferrero, 2009).

Como franciscano, Juan Gil não estava limitado pela estabilidade religiosa. Desta forma, ele pode ter permanecido temporadas em diferentes províncias franciscanas, atuando como professor e/ou pregador ou até participando de capítulos, ocasiões em que conheceu pessoas e teve acesso a obras, que consultou para a produção de seus escritos. Mas ainda que seja possível supor que o frade realizou diversas viagens durante a sua vida, provavelmente ele permaneceu, devido aos cargos que ocupou, a maior parte do tempo na província e, sobretudo, na cidade de Zamora32.

A região de Zamora está localizada no noroeste da Península Ibérica. Ela foi povoada desde a Idade do Bronze. Por sua proximidade com o Rio Douro, vários povos, sucessivamente, se estabeleceram na região: astures, váceos, vetões, celtiberos, romanos, suevos, visigodos, berberes.

Em fins do século IX, por iniciativa dos reis asturianos, moçárabes provenientes de Toledo estabeleceram-se em Zamora e foram construídas muralhas da cidade. No século X, a localidade foi destruída pelas campanhas de Almansor. Ela foi novamente ocupada somente no século XI, por iniciativa do rei castelhano-leonês Fernando I. A despeito de eventuais conflitos, a cidade se expandiu nos séculos seguintes. García Casar afirma, pautando-se em textos cronísticos medievais, que ocorreu um crescimento demográfico com a chegada de pessoas provenientes do Norte ibérico, em especial de Astúrias, Leão e Galiza, e da Gascunha, Périgord e Poitiers, dentre os quais grupos de judeus (1992, p. 29). Foram concedidos fueros e, vinculados a eles, o conselho da cidade foi organizado. A pecuária, a manufatura de lã e o comércio se desenvolveram e, com a riqueza produzida na cidade, dezenas de edifícios foram construídos ou reformados33.

Quanto à organização eclesiástica local, ainda que a região de Zamora tenha sido cristianizada desde o início da Idade Média, o bispado só foi fundado no século IX. Há notícias de que durante o século X a sucessão episcopal foi mantida e igrejas e mosteiros foram fundados em todo território diocesano. Com a destruição resultante das incursões muçulmanas no final do século X, a diocese foi incorporada ao bispado de Astorga. O episcopado só foi restaurado no início do século XII. Neste momento, o território da diocese foi delimitado, incorporando áreas anteriormente pertencentes aos bispados de Braga, Astorga e Salamanca. Foi nessa conjuntura que religiosos cistercienses, premostratenses e vinculados às ordens do Templo, de S. João de Jerusalém, de Santiago e do Santo Sepulcro se estabeleceram na diocese, unindo-se aos mosteiros já instalados na região. No século XIII, chegaram os frades menores e pregadores.

A prosperidade e a consolidação da presença eclesiástica, como apontam documentos e vestígios arqueológicos, explicam as diversas igrejas e cenóbios edificados entre os séculos XI e XIII (Ferrero, 2008), em especial na cidade de Zamora. Tais templos, dedicados a diferentes santos, apontam para as venerações presentes na diocese.

Ou seja, Juan Gil viveu em uma cidade próspera, na qual diversas tradições culturais conviviam, ainda que estejam documentados episódios de tensões sociais e conflitos de poder34. Em Zamora e regiões próximas, como franciscano, certamente entrou em contato e conviveu com pessoas de distintos grupos sociais, seja como pregador, professor, escritor, e ocupante de cargos na Ordem.

Por fim, gostaria de sublinhar um tema que é motivo de debate entre os estudiosos: a relação de Juan Gil com a realeza castelhano-leonesa. Além da dedicatória a Afonso X do Officium Almifluae Virginis, no qual o frade afirma ser “humillimus scriptor suus”, diversos autores apontam as semelhanças entre as Cantigas de Santa Maria, organizadas sob a direção do monarca, e o Liber Mariae de Juan Gil35 para fundamentar a hipótese que o zamorano participou do scriptorum afonsino.

Em relação ao termo scriptor, ele foi utilizado no medievo com vários significados: notário, copista, escriba, escritor, secretário. Logo, o seu uso não pode ser considerado como argumento inquestionável de que o frade esteve ao serviço do rei. Quanto aos pontos de contato entre as obras marianas, é importante sublinhar que textos sobre os milagres atribuídos à intervenção de Maria tiveram ampla circulação no medievo e podem resultar de fontes comuns, não da interferência direta entre elas. Por outro lado, situando o momento de nascimento de Juan Gil em 1251, ele teria se inserido no scriptorium afonsino, provavelmente, somente após retornar de Paris, em fins da década de 1270, quando a redação das cantigas já teria iniciado e os manuscritos TO, T e F concluídos ou ao menos começados36. Desta forma, pode-se questionar a proximidade entre o frade e esse rei.

Alguns autores, em trabalhos com distintas abordagens (Sánchez Ameijeiras, 2005; Ferrero, 2009), apontam que Juan Gil teve destaque não na corte de Alfonso X, mas na de Sancho IV, seu filho e sucessor.

O infante se opôs ao pai devido a questões sucessórias. Após os conflitos, ele foi reconhecido pelas cortes. Ao assumir o trono, ele teve que enfrentar grupos opositores e disputas com os reinos de Aragão e Granada. Durante seu reinado, que durou 11 anos, efetivou acordos com os reinos de Portugal e França e buscou o reconhecimento de seu casamento junto à Santa Sé, que foi declarado incestuoso pelo Papa Martinho IV. Ademais, como destaca Rocío Sánchez Ameijeiras, promoveu mudanças nas diretrizes culturais monárquicas face ao período anterior37. Para a autora, um dos focos dessa nova diretriz foi Gil de Zamora.

Foi proposto em alguns estudos que Juan Gil teria sido preceptor do futuro rei, mas não há registros sobre essa relação. Por meio do documento de 1278, que resultou do pacto entre o conselho, o bispo e o cabido de Zamora, já citado, é sabido que o frade encontrou com o então infante (Fernández Duro, 1882, p. 469). Após esse evento, fez dedicatórias dirigidas a ele em duas de suas obras, De Praeconiis ciuitatis Numantine e De Praeconiis Hispaniae. Nessa última, como Ferrero Hernández ressalta, finalizada no mesmo ano que Sancho enfrentou seu pai nas cortes de Valladolid, 1282, o frade denomina o infante como “maiori filio et heredi/ filho mais velho e herdeiro” e deseja “diu et feliciter uiuere, prospere procedere et regnare/ vida longa e feliz e próspero reinado” (2009, pp. 30-31). Seria uma explícita tomada de posição, relacionada à proximidade entre os personagens?

Nos anos seguintes, por sua formação educacional, relações estabelecidas, viagens, produção textual e cargos que ocupou junto à Ordem dos Menores, Juan Gil pode ter se aproximado não só do soberano, mas também de sua esposa, Maria de Molina. Uma possível evidência dessa cooperação seria, como propôs Navarro Talegón, em 1996, a autoria por Juan Gil do programa iconográfico do Pórtico da Majestade da Colegiada de Toro, também conhecido como Pórtico do Juízo Final e do Paraíso, que foi financiado pelo casal real (Sánchez Ameijeiras, 2005, pp. 301-2; Hernando, 2016, p. 169). Além disso, se de fato ocupou o cargo de Ministro Provincial de Santiago, certamente manteve contato com as autoridades reais. Como os documentos são pontuais, não é possível traçar conclusões fechadas, mas, propor que, por meio do estudo do conteúdo da produção egidiana, novos elementos poderão contribuir para o adensamento do debate.

Não há fontes diretas que indicam o ano em que Juan Gil faleceu. Só há informações em autores posteriores. Os estudiosos, porém, concordam que ele teria falecido em 1318. Se a data adotada para o seu nascimento for 1251, ele estaria, na ocasião, com cerca de 68 anos.

3.2 As Legende sanctorum et festiuitatum aliarum de quibus Ecclesia sollempnizat

Juan Gil escreveu sobre temas diversos no decorrer de sua trajetória38. É provável que sua atividade literária tenha se iniciado logo após finalizar os estudos em Paris e retornar para Zamora, por volta de 1278. A vasta e variada produção certamente vincula-se à sua formação escolar, à sua atuação como lector e dirigente franciscano, à sua inserção social, às relações de poder que estabeleceu, às tradições que recebeu, a eventos conjunturais. Neste artigo, como anunciado, o foco está no legendário abreviado intitulado pelos editores como Legende sanctorum et festiuitatum aliarum de quibus Ecclesia sollempnizat (LS).

As LS formam um legendário, reunindo narrativas sobre paixões de mártires, vidas de santos confessores e celebrações litúrgicas. Segundo Dolbeau (2010, p. 346), esses volumes começaram a ser produzidos por volta de 750. Nesse momento, os textos eram agrupados com o mínimo de retoque, formando grandes coleções, denominadas pelo pesquisador como legendários tradicionais. A partir dos anos 1180, os redatores das compilações passaram a adaptar suas fontes, reelaborando e resumindo, com o objetivo de formar livros mais acessíveis e econômicos. Tal modalidade foi denominada como legendários abreviados ou novos.

Os legendários abreviados foram adotados pelos mendicantes, como indicam os prólogos das obras, para disponibilizar material de fácil consulta pelos frades, tanto para a meditação como, sobretudo, para o preparo de pregações. Há registros de que os irmãos saíam em duplas, realizando pregações fora e dentro das igrejas, muitas vezes em regiões distantes dos conventos, o que exigia deslocamentos. Segundo Bruzelius, os irmãos chegavam a visitar os fiéis em suas casas, desenvolvendo uma “capillary action”, mormente nas cidades (Rosser, 2012, p. 377).

Como nem todos os frades eram enviados aos Studia Generali, possuíam níveis escolares diversos. Cabia aos que obtinham maior formação instruir, seja atuando como professores e/ou produzindo obras que poderiam ser usadas uenena et animalia venenosa, sobre as dõenças resultantes de contato com plantas, animais e minerais; Prosologion, sobre questões gramaticais; etimológicas; fonéticas, etc.; Liber de arte musica, sobre música; Ars dictandi, sobre a redação de cartas. No terceiro, livros históricos: Liber de preconiis Hispaniae, sobre características e personagens da Hispana e Liber de preconiis ciuitatis Numantinae, sobre a cidade de Zamora. No quarto, sermões: Liber sermonum e Breuiloquium. No quinto, hagiografias: Officium almifluae Virginis, ofício litúrgico em versos dedicado a Maria; Liber de Ihesu et Maria, que aborda aspectos da vida de Cristo e de Maria, e o legendário em estudo.

pelo conjunto dos irmãos, com evidente objetivo pedagógico. Essas obras deveriam ser fáceis de transportar e consultar, a fim de que fossem encontrados materiais para serem incluídos nas pregações como exempla, dando-lhes grande divulgação.

Juan Gil, que, como assinalado, estudou em Paris e foi lector, assumiu a tarefa de escrever um legendário abreviado. Foi na cidade de Zamora que, com grande probabilidade, compôs as LS. A própria forma como o autor é apresentado no prólogo permite essa conclusão: “frater Iohannes Egidius, doctor fratrum Minorum Zamorensium/ irmão Juan Gil, doutor dos Irmãos Menores de Zamora” (2014, p. 132). Ele a compilou em latim e em prosa, utilizando diversas e variadas fontes, inclusive obras de sua própria autoria (Martin, 2015, p. 219). Ele combinou tais materiais, abreviando-os ou adaptando-os, para, por fim, uni-los para formar o seu texto.

Segundo os editores das LS, além do texto bíblico, são citadas diretamente cerca de 140 outras obras, de autores como Sulpício Severo, Agostinho, Jerônimo, Martinho de Braga, Isidoro de Sevilha, Bernardo de Claraval, Pedro Comestor, Pedro Damiano, Joaquim de Fiori, Rodrigo Jiménez de Rada, Tomás de Aquino, Boaventura, dentre outros, além de dezenas anônimas39. Tais materiais podem ter sido consultados em bibliotecas da região de Zamora ou próximas, bem como durante viagens. Juan Gil não teve necessariamente acesso a todos os livros que citou e provavelmente alguns trechos que incorporou às LS já figuravam nas fontes que teve em mãos.

No prólogo, o autor explica as motivações para a redação das LS, similares às dos outros legendários mendicantes: alcançar, de forma direta, os frades, com materiais para edificação e preparo de pregações. O frade também justifica as suas opções narrativas: o texto foi elaborado por motivações didáticas, organizado para auxiliar a consulta, a compreensão, a comodidade do uso e o transporte os leitores. Ele também salienta que o conteúdo das LS foi fruto de escolhas dentre um conjunto abundante.

As LS contêm na forma atual 88 capítulos, além de um prólogo. Desse conjunto, 11 (onze) abordam festas cristãs, como a Anunciação e Pentecostes, 2 (dois) referem-se à cruz de Cristo (invencio e exaltacio), 2 (dois) ao anjo Miguel, 1 (um) à instituição das litanias e 72 versam sobre santos com distintos perfis (mártires, bispos, abades, leigos, etc.). Os capítulos encontram-se organizados em ordem alfabética e agrupados pela letra em latim que inicia o nome do santo ou da festa. Eles possuem tamanhos variados e se diferenciam quanto à estruturação. Os dedicados às festas apresentam explanações teológicas e, em alguns casos, são acrescentados eventos maravilhosos. Os relacionados aos santos iniciam-se de maneiras distintas: com um resumo dos temas que serão abordados, com reflexões etimológicas, com uma breve apresentação do santo ou indicação das principais fontes sobre o protagonista. Em alguns casos, dois ou mais desses elementos figuram juntos40. Eles abordam aspectos da vida e da morte dos venerados e, eventualmente, incluem narrativas sobre relíquias, cultos e milagres.

Os autores divergem quanto ao ano de redação das LS. Martín-Iglesias e Otero destacam que não há nenhuma passagem da obra que permita ao menos sugerir uma data aproximada de redação. Mas eles propõem como o terminus post quem de redação da LS após a escrita da Historia naturalis, ocorrida, provavelmente, entre 1279 e 1289 (Zamora, 2014, pp. 30-31)41.

As LS foram preservadas, de forma incompleta,42 por um único manuscrito, o Add. 41070 (ff. 1-465v), pertencente à British Library, Londres, datado pelo editor como do século XIV.43 Segundo Martin Iglesias, o códice é de origem hispânica, mas o local de sua confecção não é conhecido (2015, p. 151). Ele só contém o legendário, copiado em 465 fólios. Essa obra foi publicada em edição crítica e bilingue, latim-espanhol, em 2014, pelos professores Martin Iglesias e Eduardo Otero.

4. LEGENDA BEATE BARBARE VIRGINIS ET MARTIRIS DE JUAN GIL DE ZAMORA

4.1 As fontes da Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris do legendário egidiano

O capítulo Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris está copiado do fólio 86v ao 90v do Ms. Add. 41070 44. Segundo os editores das LS, essa legenda também foi incluída em outra obra de autoria de Juan Gil, a Historia canonica ac civilis (Hcc) (2014, pp. 85-87). Esse trecho não foi preservado, mas o título Baruara virgo et martyr está listado entre os capítulos do livro II no Ms. 2763 da Biblioteca Nacional de Madrid, o manuscrito H, fol. 103v (2014, pp. 87 e 262).

Como o texto da Hcc não foi transmitido, não é possível comparar as duas narrativas. Contudo, é provável que o frade tenha usado o mesmo texto base, realizando ajustes, já que no prológo das LS indica que foram retirados materiais daquela obra, na qual teria transmitido as legendas detalhadamente, para incluir em seu legendário45:

In huius autem uie et ueritatis et uite cognicionem et adepcionem meritis ciuium supernorum cupiens deuenire, legendas eorum, iuxta uotum et desiderium plurimorum, in libris nostris de Ystoria canonica et ciuili prolixe tradidi, eo quod eisdem utilius esse credidi. Nunc autem, quia fratres nostri patris sancti Francisci emuli, tenues paupertate, gaudent breuitate, maxime quia, cum ad predicandum exeant, tantum honus librorum secum defferre non possunt, idcirco, ipsis instantibus et supplicantibus, ex multis pauca excerpsi, que in hoc libro breui calamo et atramento fluido exaraui, pauperum crucifixi respiciens necessitatem pocius quam utilitatem. In perfectis quidem legendis et prolixis maior utilitas, in abreuiatis uero necessitas et paupertas consideratur. (2014, p. 132)46

Para a sua elaboração, os editores do legendário indicam que Juan Gil utilizou duas versões da Paixão: a Passio s. Barbarae (BHL 913) e Passio s. Barbarae (BHL 915) (p. 44). Contudo, em uma comparação inicial do conteúdo dos textos,47 conclui-se que o zamorano segue de perto a versão da BHL 91548. A despeito de pequenas mudanças, as LS seguem a mesma sequência narrativa da BHL 915, que também se aproxima da BHL 913 nas linhas finais49.

Os pontos em comum entre BHL 913 e LS podem resultar não necessariamente do uso das duas versões, mas somente de BHL 915. Gaiffier (1959, p. 15), que estudou redações da Passio, defende que BHL 913 foi a primeira do martírio de Bárbara em latim. Para o autor, provavelmente o mais antigo manuscrito que contém essa narrativa é o Codex Augiensis XXXII, da primeira metade do século IX. O autor ainda salienta que essa foi a mais difundida no medievo, enquanto a BHL 915, segundo Colombi (2010, p. 340), a de menor circulação.

Gauffier também propõe que a BHL 915 é uma recensão de BHL 913 (1959, p. 21), que apesar de manter o texto em linhas gerais, faz mudanças em diversos pontos. A despeito das divergências, Wolf (1999, p. 66) afirma que essas redações compõem um dos grandes conjuntos nos quais as Paixões latinas sobre Bárbara podem ser divididas, pois apresentam o autobatismo da mártir50, o que reafirma a relação entre elas. No outro grupo estão as que relatam que a jovem foi batizada por um mensageiro enviado por Orígenes.

A BHL 915, que foi transmitida por cópias realizadas a partir do século XI, talvez tenha sido a única variante encontrada pelo hagiógrafo. Pelos dados coletados, não é possível afirmar onde Juan Gil teve acesso a esse material. Não foi localizado nenhum manuscrito preservado contendo cópia da BHL 915 procedente da Península Ibérica. Os identificados51, três ao todo, foram copiados na Itália Central (Napoli, Biblioteca Nazionale “Vittorio Emanuele III”, VIII.B.3, fols. 286r-288v e VIII.B.6, ff. 7v-9r) e na Normandia (Paris, Bibliothèque Nationale de France. Département des manuscrits. Latin 5356). É provável que tenham existido outras cópias, que se perderam. Mas, a partir dos dados disponíveis, é plausível supor que o frade teve acesso a esse material em suas viagens.

A opção pela BHL 915 traz questionamentos devido ao seu conteúdo. Destacam-se dois aspectos: além de narrar o autobatismo de Bárbara, já mencionado, inclui ao final uma prece proferida pela santa um pouco antes de sua paixão, por meio da qual pede que Deus não lembre dos pecados daqueles que celebrarem ou recordarem o seu martírio52. As duas situações são cruciais na vida do fiel pela perspectiva da hierarquia eclesiástica devido ao seu caráter sacramental. O batismo permite o ingresso na comunidade de crentes e a confissão periódica dos pecados para um sacerdote garante a permanência na comunidade dos fiéis e a sepultura cristã, como estabelecido no cânone 21 do IV Concílio de Latrão. Tais comportamentos não são compatíveis com a atuação dos frades menores, voltada à pregação e à pastoral dos fiéis. Mesmo assim, Juan Gil incluiu tais sucessos em sua compilação, sem editá-los. Quais foram as suas possíveis motivações?

4.2 Organização e conteúdo da Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris do legendário egidiano

Como assinalado, Juan Gil foi um compilador. Para compor seu legendário, ele reuniu e selecionou materiais e deu-lhes uma forma textual própria. Ainda que tenha preservado quase sem alterações trechos de obras compostas anteriormente, em alguns casos, há séculos, tais narrativas foram dotadas de novos sentidos em função das intervenções feitas pelo frade e pelo próprio contexto. O cristianismo não era mais uma religião perseguida no século XIII, mas opositores dos cristãos, tanto no âmbito coletivo quanto individual, continuavam a existir. Cristãos não eram mais torturados por sua fé, mas sofriam com diversas mazelas cotidianas. E conviviam no dia a dia com pessoas de outros credos. Ou seja, as narrativas, ressignificadas, continuavam a ter relevância para os fiéis e, por isso, figuravam nas pregações e inspiravam manifestações artísticas.

Neste sentido, é fundamental para a compreensão do capítulo egidiano abordá-lo sob dupla perspectiva. Por um lado, em seu conjunto, fruto das escolhas do redator. Por outro, atentando para o fato de que o público idealizado na obra era o de irmãos pregadores, que certamente retiravam partes da narrativa para serem usadas como exempla, em articulação a outros materiais, como textos bíblicos e patrísticos, ou até com outros trechos do legendário.

Logo na primeira linha do capítulo o autor qualifica de forma positiva os eventos que irá descrever: o gloriosíssimo triunfo da virgem Bárbara53. Em seguida, por meio do recurso da abreviação, informa que o relato está dividido em dez partes. Essa enumeração inicial dos tópicos, além do caráter didático, pois resume o conteúdo facilitando a consulta, também direciona a interpretação da narrativa, inclusive ajustando a sequência dos eventos relatados, omitindo alguns temas e dando certa coerência ao conjunto54:

Barbare uirginis triumphum gloriosissimum describentes, primo agemus de ipsius origine et condicione et turri propter ipsam hedificacionem, secundario de ipsius deuota oracione pro balnei replecione et oracionis exaudicione et baptismi suscepcione, tercio de turrim edificancium deprehensione et Barbare excusacione, quarto de ipsius Barbare in coniugium peticione et ipsius excusacione et nominis Christi conffessione, quinto de paterna indignacione et comminacione et ipsius Barbare fuge arrepcione et pastoris detentacione et Barbare apprehensione, sexto de Barbare oracione et pastoris malediccione, ipsius quoque pastoris suique gregis in lapides conuerssione et eiusdem incarceracione, septimo de ipsius Barbare acusacione et ipsius cum preside diceptacione et dura ipsius uerberacione, octauo de Barbare suspenssione et capitis tunsione et iterata incarceracione et uulnerum eius curacione, nono de ipsius in eculeum leuacione et lampadarum adhibicione et mamillarum amputacione et ipsius denudacione, celesti uero compassione et tocius corporis curacione, decimo de presidis et patris indignacione et capitis Barbare truncacione, diuina uero super patrem ulcione et Barbare tumulacione. (2014, p. 262)55

Após essa introdução, a paixão é situada nos tempos do Imperador Maximiano e do governador Marciano e localizada na cidade de Nicomédia. Os principais personagens são então apresentados: Dióscoro, homem ilustre e muito rico, e sua única filha, Bárbara, nobre e muito bonita, que era secretamente cristã e dedicava-se à oração dia e noite.

O texto não explica como a jovem entrou em contato com o cristianismo e enfatiza o caráter contemplativo de sua fé. Assim, diferentemente de outros relatos sobre virgens mártires, como Santa Luzia, ela não dá seus bens aos pobres ou presta assistência a necessitados.

A narrativa então informa que, como era o costume, diversos homens pediram a Dióscoro para conceder sua filha em casamento, mas ele rejeitou as ofertas, o que é justificado pelo fato de Bárbara ser sua única filha, a quem o pai amava muito. Assim, mandou construir uma torre muito alta, só com duas janelas, para que a jovem ficasse trancada, porque ela era muito bela.

Enquanto a torre era erigida, Dióscoro realizou uma longa viagem. A filha aproveitou a oportunidade para perguntar aos mestres que a construíam para quem era o edifício. Eles responderam que era para Barbare, domine nostre. Ela pediu, então, que fosse feita uma terceira janela, maior, o que foi executado. Não é apresentada uma justificativa para tal pedido.

O texto também não explica porque Bárbara teve livre trânsito para conversar com os homens responsáveis pela obra da torre enquanto Dióscoro estava em viagem, mesmo depois que ele decidira manter a filha isolada por sua beleza. Além disso, como ressaltado, o relato indica que a jovem não sabia do motivo da edificação, mas tinha autoridade, como senhora, para mudar as ordens de seu pai.

As intervenções de Juan Gil no texto da BHL 915, portanto, não suprimiram certas lacunas narrativas. Talvez porque ele só tenha tido acesso a essa versão da passio e decidiu não incorporar elementos novos. Outra possibilidade está na principal função do legendário: disponibilização de trechos que poderiam ser usados de forma isolada, como exempla. Neste sentido, é plausível concluir que esse pequeno texto, que realça o número três, poderia ser vinculado à Trindade, tema, aliás, salientado em outro ponto, o que daria à passagem uma lógica em si.

A ênfase no três e, por extensão, na Trindade, pode se relacionar diretamente a discussões teológicas do momento de elaboração de BHL 915, que ressignificada em fins do século XIII poderia servir para instruir os fiéis e demarcar a sua identidade cristã, por exemplo, face aos judeus. Desde a segunda metade deste século, como salienta García Casar, existia uma comunidade judaica em Zamora com “una sólida estructura interna jurídico-religiosa, y posiblemente, un pujante relieve social y hasta económico en la ciudad” (1992, p. 47).

A seguir, é narrado o autobatismo de Bárbara, repleto de elementos maravilhosos. Ela se dirige a um banho localizado próximo à sua casa e lá roga para que o local se encha de água. O texto evidencia que esse pedido era motivado pelo desejo da jovem purificar o corpo face à imundícia e aos enganos do diabo e dos ídolos. Com seu pedido atendido, em meio a orações ela se batiza: “Et postquam compleuit oracionem, expoliata exaudita est et descendens in aquam baptizauit se sub trina merssione, scilicet in nomine Patris et Filii et Spiritus sancti. Amen” (2014, p. 263)56.

O texto volta, então, ao tema das janelas. Após retornar da viagem, Dióscoro pergunta aos construtores sobre a terceira janela e quem a havia solicitado. Ciente de que a ordem partira da filha, questionou-a. Bárbara, mantendo o segredo de sua fé, apenas responde que o objetivo era ter mais luz, argumento aceito pelo pai sem exigir maiores explicações.

A narrativa volta ao tema dos pedidos de casamento. Contudo, agora o pai possui outra atitude, cuja mudança também não fica explicitada no relato, e quer ver a filha casada. É nesse contexto que Bárbara revela não só que é cristã, mas que Cristo, que mantém seu corpo inviolável, é seu esposo. Nesse ponto a narrativa ganha maior dinamismo, pois Dióscoro tenta matar a filha, que foge e se esconde em uma montanha. Ele a persegue, movido por uma fúria diabólica, que substituiu todo o grande amor paternal que é citado no início do capítulo.

Devido à informação dada por um dos pastores57 que estava no monte com o seu rebanho, também influenciado pelo diabo, Bárbara é encontrada pelo pai e levada para a casa. Nesse momento ocorre mais um evento maravilhoso, mas de caráter punitivo: “Barbara uero, cum ad domum suam reduceret pater eius, aspexit uirum illum, qui eam indicauerat et maledixit illum et peccora eius et statim conuersus est ipse et grex, quam pascebat, in statuam marmoris” (2014, p. 263)58.

Em casa, Bárbara é presa em uma cela e vigiada durante a noite, até ser entregue ao governador. Começa a seguir a parte mais longa do relato, que intercala interrogatórios e torturas. Marciano inicia perguntando quem a havia afastado dos deuses, ao que a jovem responde “quod scio”. Ou seja, ela só diz que tem conhecimento. Mais uma vez não aparecem intermediários na relação entre Bárbara e Deus.

Bárbara, despida, é submetida a torturas, que ela responde recitando trechos retirados do livro bíblico de Salmos, capítulo 91. Novamente a jovem é interrogada, com ameaças de ser submetida a novos sofrimentos, ao que ela responde, desqualificando o governador e suas crenças, associando-os aos demônios, e proclamando o credo cristão: “(…) quia ille [Cristo] pro nobis passus est et pro nobis mortuus est et pro nobis uere de sepulcro resurrexit, ascendit in celum sedensque ad dexteram patris inde uenturus est iudicare uiuos et mortuos et reddere unicuique secundum opera sua” (2014, p. 264)59.

Ocorre nova sessão de tortura, a que Bárbara reage com louvores a Deus. Ela é então presa e, no dia seguinte, aparece perante Marciano com o corpo curado, evento fantástico que o governador atribui às suas divindades. A jovem responde insultando a autoridade (O inpudens et abhominabilis canis/ impudico e abominável cão) e seus deuses (dii tui ceci et surdi sunt/ seus deuses são cegos e surdos). O ciclo se repete: novas torturas, que incluem a amputação dos seios da mártir, mutilação recebida com louvores.

Marciano não objetiva somente flagelar o corpo de Bárbara, mas também expô-lo. Assim ordena que ela seja conduzida nua por toda a província. Após pedir a Deus para que seu corpo não seja visto, um anjo a veste com uma túnica e cura suas feridas. Durante o recorrido pela província, ela é levada, quando se encontra na aldeia de Délasis, novamente perante Marciano, que se espanta ao vê-la com o corpo são e o rosto resplandecente. Mais uma vez a jovem ataca verbalmente o governador, comparando-o ao diabo confundido por Cristo, que reage proferindo, por fim, a sua sentença de morte.

Dióscoro ressurge na narrativa, assumindo a responsabilidade pela execução da filha. Bárbara, enquanto se dirigia ao lugar de sua morte, suplicou a Deus para que, no futuro, ele perdoasse os pecados daqueles que viessem a venerá-la, como já assinalado: “(…) si quis propter nomen tuum famule tue celebrauerit martirium seu fecerit memoriam martirii famule tue, dum passa sum, peto, Domine, ne memineris peccatorum eorum, tu enim nosti, Domine, quia caro sumus” (2014, p. 266)60.

Ouviu-se, então, segundo o relato, uma voz vinda do céu anunciando a recepção da mártir no paraíso e indicando que seu pedido fora concedido. Chegando ao cume de uma montanha, a jovem é decapitada pelo pai, que ao retornar para casa é consumido por um fogo vindo do céu.

O texto termina informando que um homem temente a Deus, Valentiano, cuidou do corpo de Bárbara e a sepultou, acrescentando que ali ocorriam muitas curas e benefícios e reafirmando o dia de seu martírio: pridie nonas decembris/ na véspera da nona de dezembro.

O capítulo egidiano, seguindo a estrutura de outras paixões, apresenta uma jovem que, como outras virgens mártires, é nobre, bela, recatada, fiel ao seu esposo Cristo. Firme em sua fé e propósitos, resiste às torturas. Mas há aspectos que são singulares nessa narrativa, considerando o conjunto de capítulos dedicados a virgens mártires nas LS61. Nela não aparecem personagens – outros santos, familiares, eclesiásticos – que instruem Bárbara sobre o cristianismo; simplesmente ela sabe. E esse conhecimento, cuja origem não é explicada no texto, a leva ao autobatismo. Ela também tem agência e voz. Introduz modificações no projeto de construção da torre; foge e se esconde; amaldiçoa quem a denunciou; não só se nega a adorar aos deuses, mas os desqualifica, assim como a autoridade que a interroga, associando-os ao diabo e aos pecados, e dirige pedidos especiais a Deus, que são atendidos. O texto, assim, realça a força interior e moral da mártir, face aos ataques ao seu físico.

4.3 Motivações contextuais para a inclusão do capítulo sobre Santa Bárbara no legendário egidiano

Por que incluir nas LS um capítulo sobre uma virgem mártir em uma conjuntura em que o cristianismo e a própria hierarquia eclesiástica já estavam consolidados e exerciam influência em diversos aspectos da vida social?

Os mártires tiveram espaço nas devoções por todo o medievo, tornando-se uma expressão de piedade e identidade cristãs (Eastman, 2020, p. 230). Eles eram relembrados e celebrados por meio dos sermões, liturgia, calendários, martirológios, dedicação de templos, afrescos, etc. Ou seja, as memórias sobre os mártires compunham o conjunto de tradições eclesiásticas, ainda que estivessem sujeitas a periódicas ampliações e releituras. Desta forma, relatos sobre santos foram incluídos nos legendários tradicionais desde as primeiras coleções, organizadas ainda no século viii, e continuaram a compor os abreviados, que, como já sublinhado, era uma modalidade de texto consolidada em fins do século XIII. Como as LS seguem essa tendência literária mais global62, inclusive tendo entre suas fontes legendários anteriores, também incorporou narrativas sobre mártires.

Outro aspecto a considerar é que especificamente a partir do século XIII, devido à ação missionária desenvolvida, sobretudo, pelos mendicantes entre muçulmanos e os considerados heréticos, alguns irmãos foram mortos e reconhecidos como mártires, inclusive pela Igreja Romana. No caso específico da Ordem dos Menores, cerca de uma década depois de seu reconhecimento pelo papado, em 1220, ocorreu a morte de seis frades no Marrocos, que foram trazidos e sepultados na Península Ibérica, na cidade de Coimbra, Reino de Portugal (Ryan, 2004). Mas esse não foi o único caso. McEvitt (2011, p. 11) contabiliza, para o século XIII, além desse primeiro grupo: “(…) seven more died in Morocco seven years later, two were beheaded in Muslim-ruled Valencia in 1231, several groups died during the Mamluk conquest of Palestine and Syria in the late-thirteenth century”.

Heullant-Donat explica esse grande número de mártires defendendo que os menores constituíram uma identidade fundamentada não só na pobreza, mas também no martírio (2012, p. 452). O martírio se tornou, portanto, um ideal cultivado entre os frades e freiras no período. Ideal, aliás, registrado em textos, como, por exemplo, na primeira vida sobre Francisco composta por Tomás de Celano, que afirma que o Poverello tinha martyrii Desiderio/ desejo pelo martírio em (Cel 1, 55). Na Legenda Assídua, a primeira escrita sobre Santo Antônio, o tema também é apresentado. Segundo o texto, o santo tinha martyrii sitis/ sede de martírio (Assídua 6,1). E no processo de canonização de Clara, testemunhos de três irmãs – Cecília, Balbina e Beatriz – atestam o desejo da religiosa de ser martirizada (Proc 6, 7, 12).

Mas por que incluir um capítulo específico sobre Bárbara nas LS, cujo culto só teria chegado à Península Ibérica no final do século XII ou no próprio século XIII? Não é possível propor uma única resposta para essa questão, mas as reflexões a seguir consideram que os legendários, além da dimensão global já aludida, também eram compostos em diálogo com questões locais, o que, inclusive, explica as diferenças de conteúdos entre eles.

Uma possível resposta pode estar na presença da devoção à Bárbara em Zamora, ainda que durante a pesquisa não tenham sido encontrados registros de capelas, mosteiros ou igrejas dedicadas à mártir na cidade ou regiões próximas no final do século XIII. A historiografia, contudo, informa sobre vestígios de devoção à santa, sobretudo, em relação aos franciscanos e à realeza castelhana-leonesa.

Piñuela (1987, pp. 139, 176) e Zatarín (1898, pp. 56, 79), ao reunirem no século XIX informações sobre a cidade de Zamora, afirmam que nos conventos de São Francisco e de Santa Clara existiam relíquias de Santa Bárbara. Contudo, não indicam datas precisas. Mesmo que a devoção à mártir tenha antecedido a chegada das relíquias, não é possível afirmar que a opção pela inclusão de um capítulo sobre Bárbara nas LS relaciona-se a venerações dos próprios irmãos e irmãs menores zamoranos, pois não há documentos que apoiem essa ideia.

O único vestígio de devoção à santa na área de Zamora localizado durante o estudo é uma imagem de Bárbara, identificada entre outras tantas porque figura com uma torre, no já citado Portal da Majestade de Toro. Considerando que o culto a Bárbara se difundiu na Península Ibérica no decorrer do século XIII, é possível vincular essa imagem à presença de veneração ou, ao menos, de conhecimento de memórias sobre a mártir na região na qual Juan Gil viveu a maior parte de sua vida. Essa imagem será novamente referenciada durante a argumentação.

Conforme o conteúdo do capítulo, a escolha de Bárbara pode relacionar-se a um evento contextual. Como discutido, a mártir, dentre outros traços, é caracterizada na legenda como uma mulher cristã dedicada à oração, que resiste aos ataques do pai e do governador para manter-se virgem e casta e se preocupa com a exposição de seu corpo nu. A ênfase nesses três elementos –oração, virgindade e pudor– pode relacionar-se às denúncias de quebra dos votos no convento dominicano da cidade de Zamora. Elas foram realizadas no âmbito de querelas entre o episcopado zamorano e os irmãos pregadores, iniciadas em fins da década de 1270, estudadas, dentre outros, por Linehan (2000), Rodríguez (2015), Hernando (2017). Nesse momento, provavelmente, Juan Gil já se encontraria em Zamora após o período de estudos em Paris.

Nos testemunhos coletados pelo bispo Suero em 1279, freiras depoentes mencionam diversas situações nas quais a regra e as constituições da Ordem não foram observadas. Dentre elas, denunciam o descumprimento dos votos de castidade e a ausência de recato, como apontam trechos do testemunho de Dona Xemena Pérez (Linehan, 2000, p. 186):

Discordia este in monasterio occasione fratrum precicatorum quia frater Munio dixit quod auferret habitus Domine Orobone. Maria Reinaldi cum fratre Bernabe, Ines Dominici cum fratre Nicholao, Marina Dominici Taurensis cum fratre Iohanne Dauiancos qui se denudauit in monasterio coram monialibus, Theresa Arnaldi cum fratre Petro Guteri (…). Item Ines Dominici habebat duos fratres amasios, scilicet fratrem Johannem Dauiancos et fratrem Nicholaum. Et frater Johannes Dauiancos sedit cum ista in infirmaria in uno lecto, et dixit frater Johannes Dauiancos: “ Mia mengengelina, non diligatis puerum sed diligatis me senem quia magis ualet bônus senex quam malus puer” (…)63.

Interessa aqui sublinhar o impacto social desses depoimentos. Segundo Benito-Vessels (2003) e Rodríguez (2015), tais acusações tiveram repercussão, inclusive em outras regiões peninsulares, chegando também a Roma, e deixando registro na produção imagética64 e literária da época65.

É possível, portanto, relacionar a narrativa sobre Santa Bárbara com tais eventos. Nas LS foram incluídos vários relatos sobre santas virgens que foram levadas a juízo justamente por sua recusa ao casamento e/ou porque foram ameaçadas de ataque sexual. Mas, como já ressaltado, Bárbara é apresentada na obra não só como um exemplo de virgindade, pureza, pudor e resistência, mas, sobretudo, pelo alcance do conhecimento de Cristo e dedicação à oração. Face à fama pública alcançada pelas religiosas de Zamora, era necessário reafirmar tais valores, sobretudo em um texto voltado a disponibilizar materiais para a pregação e cura pastoral para o conjunto dos fiéis, o que incluía as religiosas.

Uma outra possibilidade interpretativa é a expansão da devoção a Bárbara entre as elites, em especial mulheres, patrocinadoras dos franciscanos na Península Ibérica (Graña, 2013 e 2014, Hernando, 2016, p. 169). Pérez Pérez (2018, p. 514-515) analisa como a faceta piedosa, vinculada às mulheres, expressou-se nos séculos finais do medievo não somente em doações, assistência e conselhos, mas também com a leitura de textos devocionais. A autora sublinha que essa perspectiva de piedade associada a livros manifestou-se também por meio de santas:

(…) la representación de modelos de virtud mediante santas que responden a la imagen de sabiduría y a los ideales que debía poseer una mujer en el periodo bajomedieval nos proporciona otro modelo iconográfico de gran valor en el estudio de la cultura libraria. La aparición de Santa Catalina de Alejandría o Santa Bárbara como principales exponentes de este modelo, ya sea como acompañantes de otro tema o bien como protagonistas de la obra artística, supone una aproximación a los usos del libro en ámbito femenino de excepcional valor informativo. Estas santas son habitualmente representadas en actitud lectora, siguiendo las pautas que veíamos previamente en la Anunciación, o sosteniendo un volumen en sus manos (…). (2018, p. 515)

A construção de Santa Bárbara como um modelo devocional e literário para as mulheres nobres foi estudada por Sandra McCullough, com foco em Flandres nos séculos XIV e XV. Em sua tese de 2002, a autora destaca que, diferentemente da Virgem Maria, as santas mártires eram vistas como mulheres sujeitas ao pecado, que enfrentaram tentações, torturas e coragem sem renunciar a sua fé, tornando-se modelos mais acessíveis. Dentre elas, Bárbara se converte em ideal também como aquela que chega ao conhecimento da fé cristã pela leitura.

Ainda que narrativas sobre a Paixão de Bárbara, como a incluída nas LS, não apresentem a jovem lendo, como seu acesso ao conhecimento de Cristo não é intermediado por outras pessoas, ele foi relacionado à sabedoria proveniente dos livros, como atestam as representações que se multiplicam nos séculos XIV e XV.

Não é possível conhecer o passo a passo do processo de formação de Bárbara como modelo de aprendizagem por meio dos livros, mas proponho que as LS contribuíram para a sua construção. Ao difundir uma versão da passio que enaltece o acesso de uma jovem nobre ao conhecimento sem intermediários, em um contexto em que os livros ganhavam cada vez maior importância entre os nobres (Beceiro, 2007; Fernández Fernández, 2013; Perez Pérez, 2018), é provável que Juan Gil tenha considerado esse grupo de mulheres que, como franciscano, certamente mantinha contatos.

Além de exemplo de mulher que detém conhecimento da fé cristã, Juan Gil também caracteriza Bárbara como uma mulher de autoridade, que dá ordem a trabalhadores e desqualifica seus oponentes, aspectos que permeavam o cotidiano das mulheres da elite. Como também sublinha Pérez Pérez:

entre los siglos XII y XIII el concepto de sabiduría se vincula al poder, considerándose como elemento básico para su buen ejercicio. A pesar de que generalmente el poder se asocia a lo masculino, el papel de las damas de la aristocracia, –ya sean reinas, señoras o infantas– y su relación con el ejercicio de autoridad, propicia que este atributo sea asociado también a ellas.

Essa opção, por enaltecer Bárbara como figura de autoridade exemplar, poderia ter, inclusive, suplantado a eventual preocupação em relação a trechos do relato que dispensavam a presença de sacerdotes, como o autobatismo e o perdão dos pecados por meio da devoção à santa.

Dentre essas muitas mulheres que exerceram papéis de autoridade na conjuntura de redação das LS encontrava-se Maria de Molina, esposa do rei Sancho IV que, segundo Arias Guillén, teve um papel chave no Reino castelhano-leonês nas décadas finais do século XIII e início do XIV (2021, pp. 78-101). Neste sentido, há outra possibilidade de vinculação entre o capítulo egidiano e seu contexto de produção: a devoção a Bárbara pela rainha.

Como alguns autores já apontaram (Sánchez Ameijeiras, 2005; Rochwert, 2016; Arias, 2020), Molina patrocinou obras nas quais eram representadas “estórias” de santas exemplares. Pautada nesse pressuposto e baseando-se em um registro das contas reais, datado de 1293, Sánchez Ameijeiras afirma que a rainha mandou pintar uma capela de Santa Bárbara em Burgos, que a autora situa no palácio de Las Huelgas (2005, pp. 301-302). Essa capela não foi preservada, mas a autora defende: “Es más que probable que la decoración pictórica que contrata incluyese una imagen de Santa Bárbara, o más probablemente, un ciclo historiado sobre la vida y martirio de la santa” (2005, pp. 301-302).

Existe outro registro preservado, a já citada imagem de Santa Bárbara de Toro. Essa cidade foi dada como dote à rainha, que favoreceu a Igreja Colegiada e financiou a construção do Portal da Majestade, que foi edificado durante o

reinado de seu marido (Hernando, 2016, p. 169; Sánchez Ameijeiras, 2005, pp. 301-2). A imagem da mártir está colocada entre outras santas e não há uma representação imagética da narrativa sobre sua paixão, mas ela pode ter sido incluída no Portal porque também era considerada exemplar por Molina. Unindo essa imagem à proposição de Sánchez Ameijeiras (2005) é possível sugerir que a rainha, dentre outras santas, também venerava Bárbara.

Ainda que faltem testemunhos diretos, como já ressaltado, vários autores defendem que Juan Gil foi o responsável pelo projeto iconográfico do Portal da Majestade. Adotando essa hipótese, pode-se considerar que o frade estivesse ciente da devoção da rainha por Bárbara e pode ter incluído o capítulo também por essa razão.

E como não é possível separar política e manifestações de fé no medievo, é plausível interpretar a inclusão da legenda sobre Bárbara, assim como de outras santas que eram veneradas por Molina nas LS, como uma demonstração simbólica de apoio do frade ao casal real. Com essa obra, assim como em outros textos do autor já citados, Juan Gil marcaria uma posição favorável a Sancho IV depois da crise que marcou a sucessão de Afonso X e nas questões relacionadas à legitimidade de seu casamento e, até, um alinhamento às diretrizes culturais do casal de soberanos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que a historicidade de Bárbara seja questionada até pela própria Igreja Romana, durante o medievo seu culto foi organizado e expandiu-se e memórias de santidade sintetizadas por meio de diversos textos. A partir do século XIII o seu culto difundiu-se na Península Ibérica e os primeiros textos sobre a santa começaram a circular na região. Dentre esses encontra-se o capítulo dedicado por Juan Gil à mártir em suas LS.

O legendário abreviado de Juan Gil, seguindo uma tendência adotada pelos mendicantes na primeira metade do século XIII, foi composto, prioritariamente, para a edificação dos irmãos e para disponibilizar materiais para que os frades preparassem suas pregações. Como os franciscanos dirigiam-se a distintos grupos, mesmo indiretamente, o livro almejava alcançar diferentes grupos sociais. Para compô-la o autor utilizou várias obras, inclusive materiais provenientes de textos escritos por ele anteriormente.

Apesar de seguir uma tendência literária global, Juan Gil considerou aspectos do seu entorno ao compor seu texto. Assim, dentre muitos conteúdos, ele optou por incluir em sua compilação um capítulo sobre Santa Bárbara. Além de rememorar essa santa virgem e mártir da antiguidade, por meio do conteúdo do capítulo apresenta uma particular caracterização da santa. Esse relato, proferido em uma conjuntura distinta daquela em que foi originariamente redigido, resultou em ressignificações quando a fé cristã e a Igreja Romana eram hegemônicas.

A fonte desse capítulo foi a versão da Passio registrada como BHL 915. Salvo o resumo inicial, recurso que aparece em vários capítulos das LS, Juan Gil fez poucas intervenções no texto. Entretanto, tal resumo, além de funções didáticas, certamente também objetivava direcionar a leitura. Desta forma, nessa síntese, a sequência textual sofre ajustes e alguns elementos não são realçados. Analisado em seu conjunto, o relato não está isento de incoerências. Provavelmente tais incoerências foram julgadas menores face ao potencial pedagógico, e talvez até político, da figura de Bárbara.

Para a compreensão das motivações para a escolha de Bárbara como temática de um capítulo das LS é necessário considerar aspectos da memória e devoção à santa; a trajetória de Juan Gil; sua inserção e compromissos sociais; as características do legendário; aspectos contextuais. Relacionando todos esses elementos, conclui-se que a inserção do capítulo sobre a jovem mártir pode resultar de um amplo conjunto de circunstâncias: o acesso ao texto da paixão, as tradições eclesiásticas medievais de veneração aos mártires, os ideais de martírio entre os mendicantes, as devoções à santa já estabelecidas na Península Ibérica, em especial em Zamora, a necessidade de disponibilizar materiais que realçassem modelos de comportamento para mulheres. Por um lado, para enfatizar o valor da virgindade consagrada, casta e dedicada à oração entre as mulheres religiosas, sobretudo face à memória de eventos recentes envolvendo os frades e freiras de Zamora. Por outro, sublinhar a piedade vinculada à leitura e ao exercício de autoridade, direcionada às mulheres da elite. Por fim, as devoções de Maria de Molina e o apoio do frade ao casal real.

Não é possível conhecer e explicar com exatidão todas as motivações de Juan Gil ao incluir o capítulo sobre Santa Bárbara nas LS. Várias circunstâncias e motivações que não deixaram testemunhos podem ter contribuído para a produção do texto. Contudo, pela perspectiva historiográfica, é possível afirmar que a escolha do frade zamorano por incluir a Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris esteve diretamente associada à conjuntura em que viveu e compôs seu texto.

REFERÊNCIAS

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a Professora Titular do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista de Produtividade do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas (CNPq) e Cientista de Nosso Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

* Correspondencia: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de História. Avenida Pasteur, 296. Urca. Cep 22290-240 Rio de Janeiro. Brasil. E-mail: andreiafrazao@ufrj.br

1 Segundo Kirsten Wolf, “The reference to Saint Barbara in John the Deacon’s life of Saint Gregory the Great (1997, book 4, ch. 89) from the late eighth or early ninth century is probably one of the earliest literary references to the veneration of Saint Barbara” (2000, p. 11, nota 12).

2 “There is no reference to St. Barbara contained in the authentic early historical authorities for Christian antiquity, neither does her name appear in the original recension of St. Jerome’s martyrology”. Cf. Herbermann (1912), St. Barbara: https://cutt.ly/SAovLv7

3 Na edição de 1954, a notícia sobre a santa é: “A Nicomédia la passione di santa Barbara, Vergine e Martire, la quale, nella persecuzione di Massimino, dopo orribili torture nel carcere, dopo il bruciamento colle fiaccole, il taglio delle mammelle ed altri tormenti, compì il martirio percossa colla spada” (p. 314). Na de 2004: “A Nicomedia, commemorazione di santa Barbara, che fu, secondo la tradizione, vergine e martire” (p. 925).

4 No Brasil, por exemplo, Santa Bárbara é venerada tanto pelos católicos como também por praticantes de cultos de matriz africana, nos quais a mártir é associada à Iansã. Sobre o tema ver Couto (2018).

5 Para Gmarra, Bárbara começou a ser venerada logo após a sua morte (2004, p. 106). Réau informa que desde o século iv Bárbara era orago do mosteiro de Edessa e no vii, de uma basílica copta no Cairo (2000, p. 170). Para Pfannkuch, o mosteiro de Edessa só foi fundado no século ix (1987, p. 41).

6 O afresco da Igreja de Santa Maria Antiqua identificado como uma representação de Santa Bárbara e a inclusão do nome da mártir no Martyrologium Romanum são considerados por muitos autores como evidências do estabelecimento do culto à mártir na cidade de Roma (Lapparent, 1927, p. 151; Lanzoni, 1927, pp. 541-543; Pfannkuch, 1987, p. 41; Wolf, 2000, p. 12; Réau, 2000, p. 170).

7 Os autores apresentam diferentes dados sobre a expansão do culto a Santa Bárbara na Europa Ocidental. Gordini e Aprile destacam que o Liber Pontificalis registra que no século ix foram construídos oratórios dedicados à santa em Roma. Gaiffier, pautado na toponímica, propõe que Bárbara era venerada na região de Farfa, norte do Lácio, nos séculos x-xi (1989, p. 18). Gmarra menciona uma trasladação de relíquias para Ghent ocorrida em 985 (2004, p. 106). Pfannkuch informa que por volta de 1003 foram transferidas relíquias de Bárbara de Constantinopla para Veneza (1987, p. 41). Deshoulières indica que há testemunhos do culto à mártir no priorado de Saint-Barbe-em-Auge, localizado na atual França, no início do século xii, considerado o primeiro lugar de veneração à santa na região (1929, p. 170). Starnawska (2017) e Leighton (2020) sublinham a expansão do culto a Santa Bárbara no território prussiano sob o domínio da Ordem Teutônica desde o século xiii.

8 Sobre o tema ver, dentre outros, Pfannkuch (1987), Van Dijk (2006), Cassidy-Welch (2009).

9 Compõem o grupo, além de Bárbara, os santos Acácio, Brás, Cristóvão, Ciríaco, Dionísio, Erasmo, Eustáquio, Egídio, Jorge, Pantaleão, Vito, Catarina e Margarida. Esses santos eram associados objetivando fortalecer seus poderes protetores e invocados contra mortes súbitas e violentas (Guiley, 2001, pp. 109-110).

10 A Passio de Santa Bárbara apresenta semelhanças com outros relatos de paixões de virgens, como, por exemplo, o martírio de Santa Cristina de Bolsena, que também foi perseguida por sua fé pelo próprio pai. Sobre essa paixão ver Lewis (2019).

11 Registros sobre textos em vernáculo elaborados sobre Bárbara a partir do século xiii podem ser encontrados, por exemplo, na BAI (2003, pp. 81-83), Arlima (https://cutt.ly/FAon3dM) e PhiloBiblion (https://cutt.ly/vAov6UG).

12 Sobre as conexões entre os textos, ver Gaiffier (1959) e Wolf (2000).

13 Como sintetizam Leonardi, Riccardi e Zarri, tais narrativas apresentam “… absoluta falta de uniformidad en las coordenadas histórico-geográficas” (2000, p. 301). Assim, os relatos hagiográficos situam o martírio de Bárbara sob o governo de Maximino, o Trácio (235-238), Maximiano (286-305) ou Maximino Daia (308-313) e o localizam em Antioquia, Nicomédia, Heliópolis, Toscana e até Roma, como sublinha Cohn-Sherbok (2013, p. 21). Além disso, divergem em outros detalhes, como sobre o batismo de Bárbara.

14 Tais reflexões estão vinculadas a projetos de pesquisa em andamento: Franciscanismo e Hagiografía no século xiii: o Legendário Abreviado de João Gil de Zamora, realizado com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Os legendários abreviados mendicantes, a temática do martírio e a construção medieval da memória de santos venerados no Rio de Janeiro, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

15 A informação sobre a expansão do culto a Bárbara na Península Ibérica encontra-se em um verbete da obra Año Cristiano, editada pela BAC em diversos volumes. Lamberto de Echeverría inclui na bibliografia um estudo, publicado em 1957, de autoria de Pérez de Guzmán y Sanjuán, que aborda o tema: La devoción a Santa Bárbara en España. Contudo, não foi possível ter acesso a essa obra. Em seu artigo de 2005, Andadura, atributos y patrocinios de una mujer legendaria: Santa Bárbara Entre unos orígenes oscuros y una actualidad manifiesta, Taviel de Andrade transcreve alguns trechos e apresenta dados inseridos por Guzmán y Sanjuán em seu livro. Assim, segundo a autora, na p. 178, o estudioso argumenta que há “ermitas, santuarios, hospitales, conventos e iglesias en los que se venera o se ha venerado a la Santísima Virgen, bajo la advocación de Rocamador, o a San Mamés, San Martín y algunos a Santa Columba. Pues bien, si como sabemos las devociones y culto a dichos santos y Virgen fueron introducidas y propagadas por los peregrinos, ¿por qué no también la de Santa Bárbara cuya devoción, ya en aquella época, se hallaba largamente extendida en todo el centro de Europa y N. E. de Francia?”.

16 Dentre outros, Manso (2013) e Barros (2020).

17 Como analisa Palacios (1990-1991).

18 Há diversos estudos que discutem os impactos das rotas de peregrinação para Santiago de Compostela durante o medievo. Dentre tantos títulos, pode-se consultar os sites que disponibilizam as atas dos congressos internacionais de estudos jacobeus (https://cutt.ly/xAoToSq), e os diversos números da revista Ad limina, (https://cutt.ly/sAob3n0), que reúnem publicações de especialistas.

19 Dentre outros, Sanz (1976, p. 537), Martínez Sopena (2016) e García León (2017, p. 457).

20 A devoção de Afonso X a Santa Bárbara também figura em textos dos séculos xiv e xv, que registram a lenda da blasfêmia do rei Sábio. Sobre o tema ver Funes (2016).

21 Estudos arqueológicos datam a construção da capela no ano da morte da comandatária (González e García Valldecabres, 2019).

22 Como a edição e estudo do Liber contra uenena et animalia uenenosa por Ferrero Hernández (2009), de sermões egidianos por Redonet (2011) e Hamy-Dupont (2017), do Liber Mariae por Bohdziewicz (2014). O número 13 da revista Studia Zamorensia, publicada pela Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), lançado em 2014, apresenta uma importante amostragem da renovação dos estudos. Faz-se importante sublinhar as ações do Instituto de Estudios Zamoranos Florián de Ocampo no fomento às investigações.

23 Sobre os documentos relacionados a Juan Gil de Zamora, a introdução da edição de Castro y Castro da obra. De preconiis Hispanie (1955) continua sendo fundamental, ainda que algumas das interpretações propostas já tenham sido revistas.

24 Sobre a história da Ordem Franciscana na segunda metade do século xiii há diversos trabalhos. Para uma visão geral, ver Lawrence (1994), Alberzoni (1999), Merlo (2005), Prudlo (2011).

25 Segundo as Siete Partidas era necessário ter entre 7 a 12 anos para as ordens de “corona”, que era o passo inicial para alcançar os outros graus, 12 para chegar a acólito e 20 para ser subdiácono. Cf. Partida I, Título VI, LEY 27. De que edad deuen ser los que quieren rescebir Orden de Clerezia.

26 Em alguns manuscritos da obra Prosologion encontra-se uma carta na qual João Gil se dirige a alunos de Toulouse.

27 Baseados em uma carta incluída no Ars Dictandi, foi proposto que Juan Gil permaneceu um período em Tours.

28 Felipe de Perugia foi professor de teologia, ministro provincial da Toscana em 1279, bispo de Fiesole entre 1282 e 1298 e autor da Historia ordinis minorum.

29 Martín Fernández foi notário de Afonso X, bispo de León de 1254 a 1289 e promotor dos mendicantes.

30 Raimundo de Gaufredi foi mestre em Paris e ministro geral franciscano entre 1289 e 1295. Ele foi acusado de ser simpatizante dos Espirituais.

31 João Minio de Morrovale era doutor em Teologia. Foi mestre do Sacro Palácio e ministro geral franciscano de 1296 a 1304, sucedendo Raimundo Gaufredi.

32 Se, de fato, foi Vicário e Ministro Provincial, deve ter se estabelecido, nos anos finais de sua vida, em Santiago de Compostela.

33 Para obras específicas sobre a história de Zamora no Medievo, ver o site do Instituto de Estudios Zamoranos “Florián de Ocampo”. Cf. https://cutt.ly/PAoTYgj

34 Como exemplo de tais eventuais conflitos, há o documento notarial de 1278, no qual Juan Gil aparece como um dos “tractadores” de um acordo estabelecido entre o Conselho, o bispo e o cabido de Zamora, com a presença do então infante Sancho. O documento foi publicado por Fernández Duro (1882, p. 469).

35 Sobre o tema há diversos trabalhos. Para uma introdução, ver o The Oxford Cantigas de Santa Maria Project, disponível em https://csm.mml.ox.ac.uk/.

36 Como sintetiza Fidalgo: “Unha sumaria información sobre as etapas polas que pasa a elaboración dos códices das Cantigas ofrécea Mettman, que supón un período comprendido entre 1264-1274 para a confección de TO, 1274-1277 para T, que sería continuado por F, aínda que quedou inconcluso, e 1277-1284 para E, á vez que podería continuarse a traballar sobre F. Pola súa banda, Ferreira (“The Stemma…”, pp. 71-72) propón datas algo diferentes: T sería copiado nos primeiros anos da década de 1280; F, despois de morto o rei en 1284, e E, que sería comezado pouco antes de 1284, non estaría rematado ata anos despois” (2003, p. 32).

37 Diz a autora: “el conocimiento de la naturaleza, la búsqueda de fuentes árabes y judías, y un nuevo concepto de conocimiento basado no solo en la tradición sino también en la observación dejó paso al rigor de la tradición latina ortodoxa” (Sánchez Ameijeiras, 2005, pp. 301-302).

38 Ainda não há uma listagem definitiva dos escritos egidianos, tarefa dificultada por quatro motivos principais: o frade se refere aos seus textos com diferentes títulos; denomina partes de um livro com nomes específicos, como se fossem outras produções; inclui trechos de uma obra em outra e muitos manuscritos que transmitem seus escritos foram preservados de forma incompleta. Há muitas formas de agrupar os textos egidianos. Baseada na lista elaborada por Bohdziewicz (2014), segue uma listagem que combina o tema e o tipo de obra. Assim, foram organizadas em cinco grupos. No primeiro, enciclopédias: Archiuus, sobre elementos naturais e históricos; Liber illustrium personarum, sobre figuras históricas; Historia naturalis, sobre ciências naturais. No segundo, tratados: Liber de animalibus, sobre os animais; Liber contra

39 Há um Index Fontivm incluído entre as páginas 741 e 821 da edição crítica das LS.

40 Esses elementos permitem questionar se o texto contido no Ms. Add. 41070 corresponde a uma etapa da produção da compilação, não o texto final.

41 Segundo Castro y Castro, para quem Juan Gil nasceu no início do século xiii, foi iniciada antes de 1237 (1974, p. 558). Para Pérez-Embid Wamba, é de 1278 (2002, pp. 304-305).

42 Faltam a vida de Lázaro, o texto referente ao Natal e todas as narrações referentes à letra Z.

43 Dolbeau data esse manuscrito como de fins do século xiii (2010, p. 372).

44 O texto latino das LS está disponível online no Corpus Corporum Project, disponível em https://cutt.ly/NAoTB6k.

45 Nem sempre Juan Gil utilizou a mesma variante de um texto em obras diferentes. No decorrer da pesquisa, foi verificado que o frade usa diferentes versões do milagre do peregrino enganado pelo diabo, narrativa que, com muitas variações, teve grande circulação no medievo. Nas LS, o peregrino é um jovem solteiro que vive com sua mãe perto de Lyon e, após os sucessos, retoma suas atividades como curtidor (2014, pp. 431-432). No Liber Mariae, o peregrino é identificado pelo nome Geraldo, tem uma concubina e após voltar à vida torna-se monge (Bohdziewicz, 2014, pp. 374-375).

46 As traduções para o português foram feitas pela autora a partir da edição bilingue das LS: “Querendo chegar ao conhecimento desse caminho, desta verdade e desta vida e a obter méritos dos bem-aventurados que vivem nos céus, de acordo com o pedido e o desejo de muitos, em nossos livros da História canônica e civil, transmiti detalhadamente suas legendas, porque acreditei que seriam mais úteis para eles [aqueles que me o pediram]. Mas agora, porque nossos irmãos, que imitam nosso santo Pai São Francisco, frágeis em pobreza, lhes gostam a brevidade, principalmente porque quando saem para pregar não podem levar livros muito pesados, portanto, ante suas súplicas e insistência, extraí desse livro algumas coisas, que escrevi com uma pena fina e tinta fluida, atendendo mais à necessidade dos pobres do crucificado que a utilidade”.

47 Não foi possível o acesso à edição de Pio Paschini. Assim, como alternativa, foi utilizada a edição de Francesco Antonio Zaccaria, de 1781, da BHL 913, https://cutt.ly/mAoT5Xl

48 Não foi possível o acesso ao texto integral do artigo “Like a Wolf Takes a Sheep”. The Wall Paintings of the Chapel of St Barbara in the Old Cathedral of Salamanca de Fernando Gutiérrez Baños e, portanto, não se sabe se o autor discute o tema. Porém, na nota 34, com acesso livre online, o autor parece indicar que a Legenda Beate Barbare Virginis et Martiris de Juan Gil de Zamora é uma cópia da redação da BHL 915. https://cutt.ly/TAoYf8o

49 Linhas 148 a 161 na edição do texto latino das LS (2014, p. 266), p. 142, na edição da BHL 913 de Zaccaria e nos fólios 134 e 135 do Ms. Latin 5356 digitalizado.

50 Também se encontra no grupo a redação de BHL 914 (Wolf, 1999, p. 66).

51 Encontrados por meio da BHL e da base Mirabile, cf. https://cutt.ly/BAoYEhI

52 “ (…) si quis propter nomen tuum famule tue celebrauerit martirium seu fecerit memoriam martirii famule tue, dum passa sum, peto, Domine, ne memineris peccatorum eorum, tu enim nosti, Domine, quia caro sumus/ Se alguém, por amor do teu nome, celebre o martírio de sua serva ou faça memória do martírio da sua serva, quando padeci a paixão, peço, ó Senhor, que não te lembres dos seus pecados; porque tu sabes, ó Senhor, que somos carne” (2014, p. 266).

53 Para uma análise desse capítulo pela perspectiva dos estudos de gênero, ver Silva (2021).

54 No resumo, o batismo de Bárbara figura antes do pedido para os que construíam a torre e no explicitado que ocorreu un autobatismo.

55 “Na hora de descrever, nos ocuparemos, em primeiro lugar, de sua origem e condição e da torre com o motivo da sua edificação; em segundo lugar, de sua devota oração para encher o banho, de como a sua oração foi escutada e como recebeu o batismo; em terceiro lugar, da solicitação feita aos que construíram a torre e a desculpa dada por Bárbara; em quarto lugar, do pedido de matrimônio de que foi objeto Bárbara, de sua negativa e de sua confissão do nome de Cristo; em quinto lugar, da indignação do seu pai, de suas ameaças, da decisão de fugir de Bárbara, de sua entrega por parte de um pastor e da captura de Bárbara; em sexto lugar, da oração de Bárbara e da maldição feita ao pastor, da transformação do pastor e seu rebanho em pedras e do encarceramento de Bárbara; em sétimo lugar, da acusação contra ela, de sua disputa com o governador e de sua cruel flagelação; em oitavo lugar, de como Bárbara foi suspensa e lhe deram golpes na cabeça, de sua nova prisão e da cura de suas feridas; em nono lugar, de como foi elevada ao ecúleo, de como lhe aplicaram tochas, amputaram seus seios e a despiram, mas, ao mesmo tempo, da compaixão celeste e a cura de todo o seu corpo, e em décimo lugar, da indignação do governador e de seu pai, da decapitação de Bárbara, da vingança divina contra seu pai e do enterro de Bárbara”.

56 “Depois de terminar sua oração, ela despiu-se e ouvido, e, descendo à água, batizou-se com tríplice imersão, isto é, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém”. O texto associa, de forma direta, a tripla imersão ao batismo, para ressaltar que ele é realizado em nome da Santíssima Trindade. Para uma introdução ao tema do Batismo no medievo, ver Keefe (1985).

57 Segundo o relato havia dois pastores. Um deles diz que não havia visto Bárbara (2014, p. 263).

58 “Quando Bárbara voltava para casa com seu pai, olhou para o homem que havia contado sobre ela e amaldiçoou a ele e a seu rebanho e imediatamente ele e os animais que apascentava foram transformados em estátuas de mármore”.

59 “ (…) porque ele sofreu por nós, e morreu por nós, e verdadeiramente ressuscitou do sepulcro por nós, subiu ao céu e está sentado à direita de seu pai, virá para julgar os vivos e os mortos, e retribuir a cada um segundo as suas obras”.

60 “(…) Se alguém celebrar o martírio da tua serva em teu nome ou fizer memória do martírio da tua serva quando padeci a paixão, rogo-te, ó Senhor, que não te lembres dos seus pecados; porque tu sabes, Senhor, que somos carne”.

61 Além de Bárbara, são incluídos capítulos sobre Ágata, Inês, Cecília, Comba, Eufêmia, Eulália de Mérida, Justina, Catarina, Leocádia, Luzia, Margarida e Marina.

62 O termo global é empregado aqui para qualificar fenômenos que possuem aspectos comuns e podem ser identificados em diferentes lugares em um mesmo recorte temporal.

63 “A discórdia existe no mosteiro devido aos frades pregadores. O irmão Munio disse que tiraria o hábito de Dona Orobona. Maria Reinaldez com o irmão Barnabé, Inês Dominguez com o irmão Nicolau, Marina Dominguez de Tora com o irmão João Daviancos que se desnudou no mosteiro na presença das freiras Teresa Arnaldez com o irmão Pedro Gutierrez (…). Inês Dominguez teve dois amantes frades, a saber, o irmão João Daviancos e o irmão Nicolau. E o irmão João Dauiancos sentou-se com ela em um leito na enfermaria e o irmão João Dauiancos disse: ‘Minha freirinha, não ame o menino, mas ame o velho porque um bom velhinho vale mais que um menino mau’(…)”.

64 Segundo Hernando, dentre outras manifestações, no Portal da Majestade de Toro, “llaman extraordinariamente la atención las escenas referidas a las penas infernales (recordando muy directamente el soberbio Juicio Final de la portada occidental de la catedral de León), abundando las monjas elegidas y los avarientos y lujuriosos caracterizados con tonsuras, que algunos autores han puesto en relación con los polémicos sucesos que afectaron a las dueñas de Zamora estudiados por Peter Linehan” (2017, p. 79).

65 Os autores mencionam os milagres marianos nos quais as monjas quebram seus votos de castidade, mas são perdoadas por Maria, registrados por Gonzalo de Berceo e nas Cantigas de Santa Maria.