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Le Breton, D. (2022), Le sourire: anthropologie de l’énigmatique. Paris: Métailié

Eugénio Lopes1

Quando se fala de filosofia, deve-se também falar de antropologia. De igual modo, quando se fala da pessoa humana, deve-se também falar do corpo humano. Ora, quando se fala do corpo humano, deve-se igualmente falar da face, que também pode ser denominado por rosto ou cara -que, na mesma linha, contrapõem-se e distingue-se do focinho dos animais irracionais. Uma das expressões faciais típica e exclusivamente humana é sem dúvida o sorriso. Neste sentido, pode-se afirmar que a pessoa humana não só é o único ente capaz de (não) intencionalmente sorrir, de forma natural ou forçada, desde o seu nascimento até à sua morte, mas também, ao mesmo tempo, de, (não) intencionalmente, fazer sorrir os outros.

O sorriso trata-se, portanto, de um ato estritamente humano, que envolve várias das suas dimensões -intelectual, linguística, volitiva, afetiva, cultural, política, religiosa, social, etc. -e que se manifesta de diferentes modos e intensidades, em diferentes e amplos contextos, sob várias intenções. Estes são, pois, os principais argumentos tratados nesta obra, bastante legível, que se divide em 19 capítulos, pelo antropólogo e sociólogo francês, David Le Breton, que, ao longo de vários anos, tem-se dedicado à investigação de temas sobre (e relacionados com) o rir, o corpo, a afetividade (em particular sobre o sofrimento e a dor), o silêncio, o caminhar, a adolescência, a bicicleta, etc..

Assim, no primeiro capítulo, intitulado de “Das ambiguidades do riso às do sorriso”2, tal como o seu título sugere, o autor basicamente analisa e distingue o rir do sorrir, fenómenos que frequentemente se confundem. Já no segundo, intitulado de “As belas fugas de um sorriso”, Le Breton mostra de que forma os sorrisos se distingue entre si, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, ao mesmo tempo que, nesta linha, apresenta e caracteriza vários dos seus matizes e tonalidades.

Posteriormente, no terceiro capítulo, intitulado de “Sorrisos noutros lugares”, o autor relaciona sobretudo o sorriso com a sociedade, a cultura e a política. Já no quarto, intitulado de “Interações sociais”, Le Breton aprofunda na relação entre a sociedade e o sorriso, mostrando, de igual modo, de que forma ele pode estabelecer, pautar e limitar as várias relações sociais.

Sucessivamente, no quinto capítulo, intitulado de “Manter o sorriso”, o autor analisa alguns significados do sorriso. Já no sexto, intitulado de “Dar o troco”, Le Breton estabelece uma relação entre o sorriso e alguns contextos e circunstâncias.

Em seguida, no sétimo capítulo, intitulado de “O sorriso do assassino”, como o próprio nome indica, o autor estuda o sorriso dos criminosos. Já no oitavo, intitulado de “Sorrir para os anjos”, Le Breton estuda o sorrir sem qualquer motivo ou intenção.

Posteriormente, no nono capítulo, intitulado de “Infância do sorriso”, o autor investiga o sorriso das crianças, ao mesmo tempo que estabelece uma relação entre a educação infantil e o sorriso. Já no décimo, intitulado de “Sorrir sem o outro”, Le Breton analisa o sorriso dos cegos, das pessoas que vivem sozinhas e das “crianças selvagens”.

Sucessivamente, no décimo primeiro capítulo, intitulado de “O rosto autista”, como o próprio título sugere, o autor estuda o sorriso das pessoas que sofrem da doença do autismo. Já no décimo segundo, intitulado de “Estudos inexpressivos”, Le Breton critica e objeta cientificamente alguns reducionismos com relação ao estudo do sorriso.

Em seguida, no décimo terceiro capítulo, intitulado de “Sorriso dos mentirosos?”, o autor continua e aprofunda o estudo do capítulo anterior. Já no décimo quarto, intitulado de “Espiritualidades do sorriso”, Le Breton investiga o sorriso em várias civilizações, culturas e religiões.

Posteriormente, no décimo quinto capítulo, intitulado de “Sorriso versus riso”, o autor não só estuda e distingue, historicamente falando, estas duas realidades, mas também as relaciona sobretudo com a religião e a arte, mais concretamente com a pintura, a escultura, o cinema e as obras literárias. Já no décimo sexto, intitulado de “Controlar o riso e favorecer o sorriso”, Le Breton relaciona o sorriso e o riso com algumas “regras de etiqueta”, em alguns contextos e em alguns autores.

Sucessivamente, no décimo sétimo capítulo, intitulado de “A convenção do sorriso na fotografia”, o autor, como o título evidência, estabelece um paralelismo, sobretudo do ponto de vista histórico, entre o sorriso e a fotografia. Já no décimo oitavo, intitulado de “‘O leve sorriso da desgraça’”, Le Breton estuda o sorriso diante de algumas situações negativas e desagradáveis. Finalmente, no décimo nono capítulo, intitulado de “Voltar para o mundo”, o autor, descreve alguns tipos de sorriso em algumas circunstâncias.

Dos vários pontos positivos que se podem verificar na obra, gostaria de mencionar os seguintes. Com relação à metodologia, propriamente dita, destaca-se na obra que Le Breton tenha estabelecido um diálogo interdisciplinar entre várias áreas, a fim de apresentar e propor o seu estudo e de corroborar as suas ideias, nomeadamente entre a filosofia, a sociologia, a educação, a religião, a arte (a pintura, a literatura, o cinema, a escultura, a fotografia, etc.), a psicologia e a comunicação. Na mesma linha, considera-se também como ponto positivo que o autor tenha criticado e objetado alguns tipos de reducionismos que se cometem quando se aborda esta temática. Assim, todavia, do ponto de vista da metodologia, também se evidência, como ponto positivo, o facto de o autor ter recorrido a vários exemplos, testemunhos e autores, a fim de dar credibilidade e fomentar a sua investigação.

Com relação aos objetivos da obra, considera-se, sobretudo, como ponto principal, que Le Breton tenha mostrado, de vários modos, como o sorriso é um ato essencialmente humano, natural ou artificial, motivado, na sua grande maioria, pelo facto de sujeito estabelecer uma relação consciente, intelectual e significativa com um determinado ‘objeto’ ou acontecimento, que estão na base do sorriso. Por isso, tal como o autor apresenta e descreve, na sua grande maioria, uma pessoa pode sorrir por várias e diferentes razões (inclusive antagónicas).

Assim, neste sentido, pode-se afirmar, de acordo com Le Breton, que as declinações e os matizes do sorriso são inúmeros, ambivalentes e inclusive contraditórios, pois não se sorri pelos mesmos motivos, nem debaixo das mesmas condições, nem do mesmo modo, nem com as mesmas manifestações verbais e não-verbais, nem durante o mesmo tempo, nem com a mesma intensidade. Logo, pode-se igualmente destacar, seguindo o raciocínio do autor, que o sorriso não consiste, portanto, num automatismo, nem tampouco se funda numa teoria concreta ou num estado de ânimo particular, nem possui qualquer formula específica de fabricação.

Tendo em consideração as ideias anteriores, já com relação ao conteúdo da obra, propriamente dito, começa-se por mencionar como ideia interessante o facto de o autor ter relacionado e distinguido o sorriso do riso, pois frequentemente confundem-se estes atos essencialmente humanos. Para tal, considera-se interessante que Le Breton tenha estudado ambos fenómenos, de diversas angulaturas, servindo-se igualmente da etimologia de ambas as palavras.

Nesta linha, considera-se também interessante o facto de o autor evidenciar de que forma o sorriso não só é uma realidade objetiva, mas também uma realidade subjetiva, única e pessoal, relacionando-se, assim, ou com significado que o indivíduo atribui ao objeto ou acontecimento que motiva o seu sorriso ou com certos estados afetivos que o causam. Neste sentido, o que é motivo de sorriso para uma pessoa, pode não o ser para outra. Segundo o autor, a subjetividade do riso verifica-se, de igual modo, no facto de que sorrimos de diferentes modos, quantitativa e qualitativamente, mesmo quando nos deparamos com as mesmas realidades que motivaram o nosso sorriso.

Considera-se também interessante na obra que o autor tenha relacionado o sorriso com as sociedades, os grupos, as culturas e as religiões. Isto torna-se evidente, sobretudo quando demonstra que as sociedades, os grupos, as culturas e as religiões podem condicionar não só os motivos pelos quais sorrimos, como também como sorrimos e, ao mesmo tempo, estabelecer os limites e regras face ao nosso sorriso.

Considera-se também importante na obra que Le Breton tenha analisado como os media, a pintura, a fotografia, a literatura e o cinema se relacionam com o sorriso, em particular, como alguns de eles, ao longo da história, têm sido meios potentes para implementar, promover e fomentar o sorriso, bem como para educar as pessoas no sorriso. De igual modo, salienta-se também o facto de o autor ter analisado, ao longo da história, os diferentes meios onde promove-se, estimula-se, educa-se e critica-se com o sorriso. Com relação à educação do sorriso, considero interessante que Le Breton tenha-a relacionado em particular com a infância.

Deve-se, também, salientar que o autor tenha analisado e relacionado o sofrimento com o sorriso, mostrando não só o lado benéfico e terapêutico de quem sorri, face às situações difíceis que vive, como também de quem faz sorrir as pessoas que vivem situações dramáticas nas suas vidas, em particular os familiares das vítimas e os especialistas de saúde que convivem com elas. Do mesmo modo, o facto de as vítimas conviverem com pessoas que sorriem, também as ajuda a transcenderem essas situações que lhe causam sofrimento.

Podemos sorrir por vários e antagónicos motivos, como, por exemplo, para encorajar uma pessoa ou para mostrar-lhe simpatia, ou, em sentido oposto, para violentá-la, humilhá-la, manipulá-la, mostrar-lhe hostilidade, etc.. De igual modo, quando sorrimos, devemos igualmente ter tem em consideração as circunstâncias, o contexto, os modos, a intensidade e a durabilidade, caso contrário, corremos o risco de molestar, ofender ou agredir as pessoas, vítimas de tais sorrisos. Neste sentido, considera-se também importante na obra que o autor tenha relacionado o sorriso com a moralidade. Ou seja, o nosso sorriso, tendo em consideração estes fatores, pode também ser avaliado desde o ponto de vista moral.

Tendo lido e estudado vários trabalhos de investigação de David Le Breton, como também assistido a várias das suas conferências, via online, gostaria de terminar esta resenha, se me é permitido, encorajando o autor a continuar com o seu bom trabalho de investigação, como tão bem tem habituado os seus leitores, não só sobre este tema, mas também sobre temas que são igualmente importantes para o desenvolvimento das várias áreas do conhecimento, em particular, da sociologia e da antropologia.

1Orcid: 0000-0001-8474-3538. Correo: lopes_eugenio@hotmail.com.

2As traduções dos capítulos foram feitas por mim.